02/04/2015 00:11

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: MEDIDA ENGANOSA

A proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, leva-nos a uma profunda reflexão sobre a responsabilidade da sociedade no combate à violência, na promoção dos direitos de cidadania de todos e na proteção das novas gerações de nosso país.

Infelizmente, não me surpreendi com o resultado da votação na CCJ, uma vez que temos hoje um perfil mais conservador de parlamentares que foram eleitos na última eleição, mas lamento a decisão, que poderá significar um grande retrocesso no arcabouço jurídico brasileiro. Deposito, agora, minhas esperanças na pressão da sociedade civil organizada para que a proposta seja rejeitada nas próximas votações.

Sabemos que a delinqüência juvenil é, antes de tudo, um aviso de que o Estado, a sociedade e a família não têm cumprido adequadamente seu dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente no Brasil. Faltam políticas públicas eficazes que lhes garantam acesso à educação de qualidade, ao primeiro emprego, à qualificação profissional, à saúde, aos programas de tratamento de dependentes químicos, ao esporte e ao lazer. Pelos registros oficiais, sabe-se que grande parte dos adolescentes infratores sofreu algum tipo de violência antes de cometer o primeiro ato infracional. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no território brasileiro em 2010 e mais de 120 mil foram vítimas de maus-tratos e agressões entre janeiro e novembro de 2012. Criminalizar o adolescente com penalidades no âmbito do sistema prisional seria maquiar a verdadeira causa do problema, desviando a atenção com respostas simplórias, inconseqüentes e desastrosas para a sociedade.

Sei que a grande maioria da população é a favor da redução da maioridade penal, mas vejo que falta um debate sério sobre o assunto, para além da campanha sistemática dos meios de comunicação induzindo ao pensamento de que a medida poderá contribuir com a diminuição da violência no país. Precisamos desconstruir alguns mitos que envolvem este assunto, além de levar em conta que a inimputabilidade dos menores de 18 anos é cláusula pétrea de nossa Constituição Federal. Vejamos:

  1. É comum ouvirmos que os adolescentes são recrutados por criminosos e, hoje, são os principais responsáveis pela onda de violência no país. Na verdade, pelas estatísticas, adolescentes e jovens brasileiros, em especial os pobres e negros, são as maiores vítimas da violência e de assassinatos. Da população de adolescentes no Brasil, apenas 0,09% se encontra em cumprimento de medidas socioeducativas e, da população total do país, esse percentual é inferior a 0,01%. A maioria dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em unidades de internação é por roubo e tráfico de drogas.

  2. Muitos afirmam que crianças e adolescentes só têm direitos hoje e que aqueles que praticam delitos ficam impunes. Não sabem que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê seis medidas socioeducativas e que a severidade das mesmas, inclusive a de privação de liberdade por até três anos, é estabelecida de acordo com a gravidade do ato infracional.

  3. Há, também, aqueles que acreditam que a pena de prisão é o melhor caminho para inibir o crime e corrigir os criminosos. Ora, o sistema carcerário brasileiro tem uma infraestrutura extremamente precária e um déficit de mais de 265 mil vagas. Condenar o adolescente à prisão com adultos apenados contribuirá para aumentar o inchaço populacional das cadeias, favorecendo o aumento da violência e o aliciamento precoce pelas redes do crime organizado, dentro e fora dos presídios. Nossos estabelecimentos penais estão longe de recuperar alguém e são escolas de aperfeiçoamento no crime.

É importante levarmos em conta nas discussões que, a adolescência é uma fase da vida de grande oportunidade para aprendizagem, socialização e desenvolvimento. Atos infracionais cometidos por adolescentes são o resultado de circunstâncias sociais e econômicas que podem ser transformadas e de problemas passíveis de superação. Para aumentar as chances de recuperação desses infratores, eles precisam de reais oportunidades e não de sofrer novas violências, conviver com adultos criminosos em prisões superlotadas e carregar o estigma do encarceramento.

O que falta em nosso país é que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja efetivamente cumprido, que haja políticas públicas de efetivação dos direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e que os estados brasileiros apliquem o que determina o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Sem isso, falar em redução da maioridade penal é medida enganosa. As conseqüências desta medida poderão ser ainda mais desastrosas para o país. Se hoje traficantes recrutam adolescentes de 16, 17 anos para o tráfico e roubos, amanhã vão recrutar os de 15, 14, 13 anos. Vale lembrar, por derradeiro, que o crime só inclui quando o Estado e a sociedade excluem.

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Pedro Kemp In Blog